segunda-feira, 28 de maio de 2012

Chico Buarque entre nós: hoje e amanhã no Teatro Riachuelo

Yuno Silva - repórter  - Cinthia Lopes - editora VIVER da Tribuna do Norte

Vinte e oito anos depois da participação no lendário comício das Diretas Já, em 1984 na Praça Gentil Ferreira no Alecrim - na qual fez discurso e não cantou - Chico Buarque de Hollanda está de volta a Natal para dois shows, amanhã e terça-feira, no Teatro Riachuelo, com ingressos esgotados desde 25 de abril - fato que comprova a dimensão superlativa quanto à expectativa do natalense em torno da apresentação histórica. A TRIBUNA DO NORTE conversou sobre a música e a poesia de Chico com a poeta Diva Cunha e os músicos Paulo Sarkis e Filipe Tavares, potiguares que reforçam a aura que envolve a figura de um dos artistas mais cultuados da música popular brasileira; e com o lendário baterista Wilson das Neves, que acompanha o cantor e compositor carioca há três décadas, sobre alguns detalhes do show.
Leonardo AversaVinte e oito anos depois do comício pelas Diretas Já, Chico Buarque de Holanda está de volta a Natal, para dois shows amanhã e terça-feira, no Teatro Riachuelo.Vinte e oito anos depois do comício pelas Diretas Já, Chico Buarque de Holanda está de volta a Natal, para dois shows amanhã e terça-feira, no Teatro Riachuelo.

Chico Buarque lançou o novo disco, batizado simplesmente de "Chico" (Biscoito Fino), em julho do ano passado, e Natal marca o encerramento da turnê nacional já vista por, aproximadamente, 130 mil pessoas. Ausente dos palcos desde 2007, o artista está na estrada desde o início de novembro de 2011, e pelo visto está aproveitando para matar a saudade dele, e dos fãs, de músicas que há tempos não ilustravam seu repertório. Além das faixas do novo CD, que dá título ao show, ele interpreta ainda mais 18 músicas de diversos momentos de sua carreira, do início dos anos 60 até hoje.

Chico amarra meticulosamente as canções, por afinidades musicais ou temáticas, e a abertura do espetáculo fica por conta de duas composições diretamente relacionadas às suas incursões pela literatura. Enquanto "Velho Francisco" (do álbum Francisco, de  1978) serviu de inspiração para o seu livro mais recente, "Leite Derramado" - vencedor do Prêmio Jabuti em 2010 -, "De volta ao samba" (Paratodos, 1993) marcou o fim de um de seus muitos jejuns musicais, quando ficou longe dos refletores por dois anos para se dedicar ao seu primeiro romance, "Estorvo", de 1991. 

Músicas que ele nunca havia interpretado ao vivo, caso de "Geni e o Zepelim", ou que não eram apresentadas há muito tempo também integram a lista de 27 canções da apresentação, como "Anos dourados" (parceria com Tom Jobim) e "Desalento" (com Vinicius de Moraes), e ainda outras pouco conhecidas do grande público, como "Ana de Amsterdam", composta para a peça "Calabar - o elogio da traição" (1972), "Baioque", do filme "Quando o carnaval chegar" (1972), e "A Violeira", também feita para a trilha de um longa, "Para viver um grande amor" (1983).

O roteiro ainda abre espaço para o artista homenagear explicitamente Tom Jobim com a releitura de "Tereza da praia", parceria do mestro com Billy Blanco, na qual Chico faz um dueto com Wilson das Neves. Também estão presentes músicas de discos mais recentes, caso de "Injuriado", de As cidades (1998), além de uma breve releitura de um de seus maiores clássicos, "Cálice", parceria com Gilberto Gil, que Chico, para surpresa da plateia, entoa com os versos recriados pelo rapper paulistano Criolo: "Pai, Afasta de mim a biqueira, pai /Afasta de mim as biate, pai / Afasta de mim a coqueine, pai / Pois na quebrada escorre sangue". 

Serviço: Show "Chico", de Chico Buarque. Segundo e terça-feira, sempre às 21h, no Teatro Riachuelo. Abertura do teatro às 20h. Ingressos esgotados.

ReproduçãoCapa da Tribuna do Norte sobre o movimento das Diretas Já, em 1984Capa da Tribuna do Norte sobre o movimento das Diretas Já, em 1984
COM CHICO, NA MULTIDÃO

Carlos Peixoto - diretor de redação da TN

Para os da minha geração, as "jornadas de abril de 1984" da campanha das Diretas Já assemelham-se aqueles momentos da história coletiva aos quais se associa a pergunta: "Onde você estava?" 

Eu já estava aqui, na redação da TN, ainda como estudante de Jornalismo e repórter. Também estava no CA do curso de Comunicação da UFRN e me fazia de besta entre os jornalistas mais velhos que atuavam no sindicato da categoria. Transitando de um para outro desses cenários, escrevi sobre os preparativos e também vivi o entusiasmo das ruas.

Meninos, eu vi! Vi Chico, de cigarro e copo de uísque na mão. Vi Fafá Belém gargalhando gostosamente com as brincadeiras de Fagner. Vi Tancredo e Ulisses sérios e compenetrados em meio à algazarra de repórteres e artistas, no alpendre da casa do então governador Geraldo Melo, onde todos discutiam como seria o grande comício na Gentil Ferreira.

Não lembro de Chico cantando no no comício. Zé Dias, o produtor, me assegura que ele não cantou, pediu votos. Lembro bem que foi no palanque que eu e Conceição começamos a namorar...  

OLHARES SOBRE O VERSO E A MÚSICA

"A obra de Chico Buarque é,para mim,a crônica musical viva da vida brasileira das últimas quatro décadas do século 20.Cada momento da nossa história oficial e particular foi ponteado por uma das suas canções. Essa me parece ser a mais importante característica do trabalho de um grande artista: falar ao coração de todos e a cada um particularmente. 

Sinceramente, não saberia dizer,sem novamente sua obra,qual a música que me toca mais. Todas tocam e acordam emoções passadas e perdidas dos anos loucos e dourados. Com ele, fui Mulher de Atenas, fui Geni, fui Teresa da praia e muitas outras,e gostaria de ser ainda Essa pequena, mas não há mais tempo, porque os relógios não andam para trás."
DIVA CUNHA
poeta

"Chico Buarque é um artista que reúne certos atributos raros de se encontrar,mesmo num ícone. Podemos facilmente concluir que a soma da magia dos olhos claros,com a habilidade poética em definir e trovar o espírito feminino,com a insígnia de herói que subverte o poder da ditadura militar em favor dos oprimidos, são de fato os principais ingredientes desse encantamento. Acredito que a riqueza do vocabulário, a riqueza na diversidade de temas,a riqueza de estilos musicais visitados, fazem de  Chico Buarque um compositor diferenciado dentro da MPB. 

Podemos citar também o Milton Nascimento e talvez o Caetano Veloso como da mesma grandeza, mas certamente Chico se destacará dos demais pelo conjunto da obra. São elementos fundamentais da canção popular como refrões simples, diretos e eficientes:"meu melhor amigo é meu violão" ou "apesar de você amanhã há de ser" ou "o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração",convivendo com elementos  ofisticados de harmonia e melodias musicais trazidos pela Bossa Nova. 

Além disso Chico é um dos poucos que inverte o jogo e pode  combinar textos mais densos, com mensagens profundas, palavras e rimas rebuscadas, às mais simples melodias e elementos musicais básicos como em "O que será",ou desinverter e falar de futebol com maestria de artista plástico,como em "O Futebol". 
PAULO SARKIS
músico da Orquestra Sinfônica do RN, baixista da banda Mad Dogs

"Entender a obra de Chico, especialmente a musical, requer considerar o ambiente intelectual em que ele cresceu e viveu.Filho do intelectual Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982),ele conviveu com sumidades e isso acabou incorporado em sua produção. Acredito que um dos grandes diferenciais de Chico seja produzir uma música bastante sofisticada,mas extremamente acessível ao público com o ouvido menos "educado". 

De certa maneira ele ajudou a moldar o que chamamos de música popular brasileira,passeando por gêneros bastante distintos.Mas o que me deixa sempre boquiaberto e tocado é a maneira como ele lida com o samba em toda a sua obra - um gênero popular que Chico conseguiu dar uma roupagem de bom gosto e sofisticação. Não que o popular seja algo de mal gosto,mas o tratamento que ele deu ao gênero é algo de excepcional,às vezes dialogando com a tradição,outras se afastando dela. Especialmente no disco "Construção", que é uma unanimidade em se falando de Chico Buarque,e que está entre as coisas mais impressionantes que já ouvi,é possível perceber sua participação direta na definição do que era/viria a ser o samba."
FELIPE TAVARES
cantor,compositor e baixista da banda SeuZé
ReproduçãoDe volta ao samba, música do disco ParatodosDe volta ao samba, música do disco Paratodos
O REPERTÓRIO

01 - O velho Francisco
02 - De volta ao samba
03 - Desalento
04 - Injuriado
05 - Querido diário
06 - Rubato
07 - Choro bandido
08 - Essa pequena
09 - Tipo um baião
10 - Se eu soubesse
ReproduçãoDesalento, faixa de ConstruçãoDesalento, faixa de Construção
11 - Sem você 2
12 - Bastidores
13 - Todo o sentimento
14 - O meu amor
15 - Teresinha
16 - Ana de Amsterdam
17 - Anos dourados
18 - Sob medida
19 - Nina
20 - Valsa brasileira
21 - Geni e o zepelim
ReproduçãoTodo o sentimento, do álbum Ao Vivo - Paris Le ZenithTodo o sentimento, do álbum Ao Vivo - Paris Le Zenith
22 - Sou eu
23 - Tereza da praia
24 - A violeira
25 - Baioque (com citação de "My mammy")
26 - Cálice (com letra de Criolo)
27 - Sinhá

FICHA TÉCNICA

BANDA E EQUIPE: Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão), João Rebouças (piano), Jorge Helder (contrabaixo acústico), Marcelo Bernardes (flauta e sopros), Wilson das Neves (bateria), Luiz Cláudio Ramos (direção musical, arranjos, regência e violões), Hélio
ReproduçãoGeni e o zepelim, do musical Ópera do MalandroGeni e o zepelim, do musical Ópera do Malandro
Eichbauer (direção de arte e cenários), Cao Albuquerque (figurino), 
Maneco Quinderé (iluminação), Vinicius França (direção de produção),Ricardo Tenente Clementino (direção técnica).

ENTREVISTA Wilson das Neves, baterista

"Pena que tudo vai acabar em Natal" 

O música veterano Wilson das Neves, também cantor e compositor, acompanha Chico Buarque desde 1982, quando o cantor carioca resolveu montar uma banda para acompanhá-lo em shows e turnês. O baterista
ReproduçãoVersão de Cálice com letra de CrioloVersão de Cálice com letra de Criolo
conversou rapidamente, por telefone, com a TRIBUNA DO NORTE, pouco antes de sair para a passagem de som do show realizado em Fortaleza:

Wilson, como tem sido essa nova jornada pelo Brasil com o show "Chico"?

Sempre uma maravilha! Bom demais cair na estrada com os amigos e uma pena que vai acabar aí em Natal. Tem sido uma turnê prazerosa e de muito trabalho.

"Acabar" pode significar uma pausa ou é o encerramento definitivo da turnê? 

É o Chico que está dizendo, ele trabalha quando quer e pode nem voltar...

Além de tocar bateria e percussão, você também divide o microfone em algumas músicas?

Dan BehrWilson das Neves, baterista, faz parte da primeira formação da banda que acompanha Chico desde 1982Wilson das Neves, baterista, faz parte da primeira formação da banda que acompanha Chico desde 1982
Exato. Quando eu for cantar com o Chico lá na frente, o Chico Batera (também músico desde a primeira formação da banda) se garante lá atrás. Vou dividir a voz nas músicas "Sou eu" (Ivan Lins) e "Tereza da praia" (Billy Blanco e Tom Jobim).

Há possibilidade de alguma alteração do programa do show aqui para Natal?

Não, não, estamos viajando com o mesmo show.


E como é Chico Buarque no palco, ele conversa com o público, improvisa?


Nada, sempre fala pouco, agradece, é melhor assim.


Fonte: Tribuna do Norte

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